segunda-feira, 23 de julho de 2018

Após 76 anos, descendentes de japoneses recebem as chaves de casarão de volta

Após 76 anos, descendentes de japoneses recebem as chaves de casarão de volta

Governo federal devolveu casarão japonês confiscado durante Segunda Guerra Mundial

José Maria Tomazela, O Estado de S.Paulo
20 Junho 2018 | 03h00
SOROCABA – Depois de 76 anos, descendentes de imigrantes japoneses receberam de volta, nesta segunda-feira, 18, um casarão confiscado pelo governo brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial, em Santos, litoral de São Paulo. Ali funcionava a Escola Japonesa de Santos, que foi fechada e teve o imóvel expropriado pelo governo de Getúlio Vargas, como retaliação pela entrada dos japoneses na guerra. O decreto, assinado em 11 de março de 1942, determinava o confisco dos bens das comunidades japonesa, alemã e italiana, consideradas inimigas, após o ingresso do Brasil no conflito ao lado dos aliados.
Imóvel, de 1929, abrigou escola japonesas  Foto: Raimundo Rosa/Prefeitura de Santos
A devolução, feita pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), é consequência de projeto de lei sancionado em dezembro de 2016 pelo presidente da República. A solenidade, no próprio casarão, foi acompanhada por anciões que, à época, nada puderam fazer ao se verem despojados daquela que consideravam sua “casa” no Brasil. O ato, cercado de emoção, foi acompanhado também por jovens que fazem parte da quarta geração de descendentes dos primeiros imigrantes nipônicos.
Durante mais de sete décadas, a comunidade japonesa de Santos foi privada do uso pleno do imóvel em razão de um ato de guerra. “Na época, a escola ensinava português de manhã e japonês à tarde, mas atendia também brasileiros, como acontece até hoje. Temos 120 alunos e apenas 30% são descendentes”, contou a diretora de Cultura da Associação Japonesa, Naoyo Yamanaka. Ela lembra que o sobrado, construído com ajuda financeira do governo japonês, na Vila Mathias, foi inaugurado em 1929.
Santos tinha a colônia japonesa mais numerosa do Estado. Conforme Naoyo, muitos imigrantes que chegaram a bordo do navio Kasato Maru, em 1908, se fixaram na cidade praiana. Com a criação da escola, o governo japonês enviou professores para ensinar a língua e a cultura. Em 1946, logo após a guerra, o presidente Eurico Gaspar Dutra incorporou os imóveis confiscados ao patrimônio nacional. O prédio da Escola Japonesa foi parar nas mãos do Exército e abrigou a Junta de Alistamento Militar até 2006, quando a União permitiu o uso do imóvel pela Associação Japonesa.
No centenário da imigração japonesa, em 2008, o sobrado foi restaurado para receber o príncipe Naruhito, do Japão. Naoyo conta que, além da escola, o casarão abriga atividades ligadas à cultura japonesa, como cursos de shodo - a caligrafia típica -, ikebana e origami. “Neste sábado, vai acontecer a formatura dos alunos do nosso curso de oratória. Tem aluno brasileiro que parece japonês quando fala”, disse. Agora que o prédio voltou para a comunidade, o plano é intensificar as atividades e iniciar a instalação de um museu. “Vamos restaurar o antigo alojamento dos professores, que fica nos fundos do prédio”, revela.
Conforme a STU, o casarão japonês de Santos é o último imóvel confiscado durante a guerra em São Paulo a ser devolvido aos verdadeiros donos. Os bens da comunidade italiana, mais antiga e incorporada à sociedade brasileira, começaram a ser devolvidos ainda durante a guerra. Em seguida, houve a devolução de bens confiscados de alemães.
As barreiras da língua e da cultura são apontadas como causas do atraso no processo de devolução dos bens tomados dos japoneses. O processo só foi iniciado em 1994, quando o então deputado federal Koyu Iha apresentou projeto para reverter o confisco do casarão.

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